Obras de Calixto sobre a capoeira revelam parte da história da cultura afro-brasileira

Este press release foi publicado, originalmente, no Blog Scielo em Perspectiva.

Ricardo Martins Porto Lussac, Professor e pesquisador da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Logomarca do periódico: Revista Brasileira de História da Educação

O campo da Educação tem cada vez mais voltado seu olhar para práticas educacionais não escolares, por meio das quais existe, reconhecidamente, diversificadas e importantes formas de desenvolvimento de saberes e culturas em diferentes grupos sociais.

No caso da capoeira, é inegável que se trata de um dos mais importantes patrimônios culturais imateriais brasileiros e da humanidade, reconhecidos, respectivamente, pelo IPHAN e pela Unesco. Sendo, portanto, uma prática social atravessada por pedagogias não escolares que conformaram historicamente um “saber-fazer”, nos perguntamos: como conhecer melhor as formas de transmissão deste universo cultural e social ao longo da história? Como contribuir para o desenvolvimento de planos de preservação eficazes na contemporaneidade, uma vez que um dos aspectos essenciais de salvaguarda de patrimônios culturais imateriais é justamente a questão da transmissão?

Ao longo dos anos, a capoeiragem possibilitou a seus praticantes resistirem às adversidades de seu cotidiano preparando-os por meio de um composto próprio de saberes e fazeres pelos quais eram e ainda são transmitidos os seus conhecimentos. Entender os significados, as utilidades e as influências dos diferentes aspectos envoltos na transmissão de qualquer prática cultural é aspecto fundamental e decisivo para se conhecer os processos educativos envolvidos em fenômenos socioculturais em que haja uma relação de ensino-aprendizagem.

Imagem: Revista Kosmos, ano III, nº 3, março de 1906. Digitalizado por Ricardo M P Lussac, 2023.

Figura 1. “TYPOS E UNIFORMES DOS ANTIGOS NAGOAS E GUAYAMÚS”, por Calixto Cordeiro.

Vale destacar que a Lei Federal nº 10.639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, acaba de completar 20 anos. Entretanto, mesmo após duas décadas, ainda é necessário avançar bastante para sua plena efetivação. Portanto, as pesquisas que abordam esta temática proporcionam importantes subsídios não só para a área da cultura e de patrimônio, mas, sobretudo, para a área da educação.

Nesse sentido, o artigo A capoeiragem pela genialidade de Calixto: contribuições de um caricaturista fluminense para o jogo-luta da capoeira, publicado na Revista Brasileira de História da Educação, analisou a produção do artista visual Calixto Cordeiro acerca da capoeira, assim como suas contribuições para o conhecimento do campo pedagógico do jogo-luta sob a perspectiva histórica. A pesquisa foi desenvolvida pelo professor, pesquisador e também mestre de capoeira Ricardo Martins Porto Lussac, Coordenador do Laboratório de Pesquisas Educacionais e de História das práticas corporais, da Educação Física e dos esportes (LAPEHPEFE), da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por meio da análise do artigo “A capoeira”, publicado na revista Kosmos, em 1906, ricamente ilustrado por Calixto, pudemos observar o saber-fazer dos capoeiras daqueles tempos. As fontes iconográficas, como as ilustrações contidas no periódico em questão, são elementos documentais importantes e que contribuem para produzir outra perspectiva e leitura em pesquisas sobre a história da capoeira, principalmente quando somadas a outros documentos encontrados durante as investigações, possibilitando, inclusive, a investigação dos sentidos da cultura material presentes nas fontes analisadas, pensando os processos múltiplos educativos da capoeira também pelas coisas.

As análises dos desenhos de Calixto em conjunto com suas respectivas legendas e o texto que as acompanham na publicação original do início do século passado, proporcionam ao leitor uma nova perspectiva sobre a interpretação destas imagens.

Imagem: Revista Kosmos, ano III, nº 3, março de 1906. Digitalizado por Ricardo M. P. Lussac, 2023.

Figura 2. “A Lamparina” , por Calixto Cordeiro.

Calixto era um profundo conhecedor do submundo da capoeiragem carioca e as gírias e expressões contidas em suas legendas, podem fornecer uma outra visada de abordagem da cultura material presente na capoeira, assim como sobre seus processos pedagógicos. Conhecer as gírias e expressões dos capoeiristas, sem anacronismos ou confusões geossociais, é compreender o modo como se comunicavam e se comunicam entre si, com outros membros da sociedade e com o mundo.

Sob a perspectiva epistemológica da Psicomotricidade, a nominação de partes do corpo por termos e gírias específicas perfazem uma pedagogia popular e própria de desenvolvimento do esquema corporal e respectiva representação, consciência e imagem corporal dos capoeiristas, dentro de um determinado período e ambiente, fazendo parte de sua estrutura e orientação espaço-temporal.

As expressões permeavam um rico universo no qual o comportamento, a gestualidade e o corpo fazem parte de uma cultura corporal carregada de códigos próprios e bem específicos, os quais pertenciam a uma espécie de “linguagem” própria de um grupo social distinto que teve forte presença no cenário carioca durante todo o século XIX até as primeiras décadas do século XX. Conhecer as antigas gírias e expressões proporciona identificar as modificações, transformações, ausências, semelhanças e até as permanências na utilização destas nos processos pedagógicos da capoeira nos dias de hoje.

A publicação desta pesquisa proporciona, de forma crítica e democrática, um meio de contato com a obra de Calixto Cordeiro voltada para a capoeira.

Referências

ASSUNÇÃO. M.R. Da “destreza do mestiço” à “Ginástica Nacional”: narrativas nacionalistas sobre a capoeira. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia. 2008, vol. 24, pp. 19-40.

FONSECA, G. Biografia do Jornalismo carioca (1808-1908). Rio de Janeiro: Livraria Quaresma, 1941.

LIMA, H. História da caricatura no Brasil. 4 Volumes. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1963.

LUSSAC, R.M.P. A materialidade de uma cultura imaterial: aspectos da cultura material da Capoeira no Rio de Janeiro no século XIX. Horizontes (EDUSF), [online]. 2014, vol. 32, pp. 33-42 [viewed 7 June 2023]. https://doi.org/10.24933/horizontes.v32i2.169. Available from: https://revistahorizontes.usf.edu.br/horizontes/article/view/169

Para ler o artigo, acesse

LUSSAC, R.M.P. A capoeiragem pela genialidade de Calixto: contribuições de um caricaturista fluminense para o jogo-luta da capoeira. Rev. Bras. Hist. Educ. [online]. 2023, vol. 23, e262 [viewed 7 June 2023]. https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e262. Available from: https://www.scielo.br/j/rbhe/a/w7NbN7yQ7fRfQ9v6XqFX6pg/

Links externos

Revista Brasileira de História da Educação – RBHE: https://www.scielo.br/j/rbhe/

Revista Brasileira de História da Educação – site: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/index

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