CARTA DE NATAL (RN) SOBRE O PATRIMÔNIO EDUCATIVO
- CONSIDERANDO que a Educação escolarizada é uma instituição que exerce grande influência no desenvolvimento da sociedade, possibilitando transformações no nosso cotidiano a partir da ampliação do conhecimento humano acerca do mundo; sendo ela, dialeticamente, construtora e resultado da cultura;
- CONSIDERANDO que a escola como instituição é produtora de conhecimento, espaço de fomento da democracia e de princípios republicanos, espaço que proporciona transformações nas condições de produção do mundo social;
- CONSIDERANDO a Constituição Federal de 1988, no art. 216, quedefine o patrimônio cultural brasileiro como sendo constituído por bens de natureza tangível e intangível, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (item III);
- CONSIDERANDO a Recomendação de Paris (1964), ao incluir coleções, arquivos e livros dentre os bens de interesse cultural, indicando a necessidade de fomento da valorização dos patrimônios culturais como ação educativa dos Estados Nacionais;
- CONSIDERANDO que o Poder Público, com a colaboração da sociedade, deve promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro e que os bens ligados à história da educação são integrantes deste patrimônio e por isso devem ser preservados como parte da memória e da história do país;
- CONSIDERANDO que existem pesquisadores(as) que animam a pesquisa e trabalham no aperfeiçoamento instrumental e técnico, estes que resultam em parte deste patrimônio, tendo em vista que agregam conhecimentos e valores na composição de significados deste legado que, pelo fomento público, torna-se “patrimônio público”;
- CONSIDERANDO que o “Dicionário de Bens Culturais” no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) indica como “bem cultural” as obras de artes, monumentos históricos, instituições dedicadas às artes, à religião, à ciência, em conjunto de bens de outros ramos do conhecimento, entre os quais os relacionados à educação e aos serviços humanitários, mostrando o valor dos bens educativos resguardados em instituições de ensino;
- CONSIDERANDO que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) não manifesta qualquer indicação sobre “patrimônio escolar” ou “patrimônio educativo” nos livros tombos de interesse histórico;
- AFIRMANDO que grande parte dos itens que poderiam compor o Patrimônio Cultural Educativo Brasileiro está em constante perigo ou já se perdeu, e aqueles ainda existentes estão sempre em situação de fragilidade institucional com alto risco de desaparecimento, perda, mesmo após ter passado por processos tecnocientíficos visando à sua guarda e salvaguarda, acarretando, dentre outros problemas, o desperdício de financiamentos para a sua constituição.
Pesquisadores da área de História da Educação, organizados em um Grupo de Trabalho (GT do Patrimonio Educativo), reunidos no XII Congresso Brasileiro de História da Educação, promovido pela Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), agremiados pelos chamados das sociedades deste campo de conhecimento, também a Associação Sul-Rio Grandense de História da Educação (ASPHE), o Grupo de Trabalho (GT-2) da Associação Nacional de Pós-Gradução e Pesquisa em Educação (Anped), com apoio da Associação Nacional de História (Anpuh-Brasil), como profissionais, professores e representantes de instituições vêm a público atestar a relevância deste patrimônio, fazendo um manifesto em nome de sua proteção, reconhecimento, valorização e prestígio, apresentando-o como “patrimônio cultural educativo”, após a sua localização, identificação, mapeamento e descrição, em todo território nacional.
A “Carta de Natal sobre o Patrimônio Educativo” é um documento produzido coletivamente entre os membros do Grupo de Trabalho, que apresenta definições, diretrizes e recomendações sobre a importância da valorização do patrimônio educativo localizado, de modo a contribuir à construção de políticas que visem à sua salvaguarda. É um documento-marco dos trabalhos empreendidos por membros deste GT e outros grupos e sujeitos, no sentido de guarda e salvaguarda de bens culturais organizados em nosso campo de pesquisa.
DEFINIÇÃO
O Patrimônio Cultural Educativo constitui-se do legado tangível e intangível relacionado à história da educação e faz referência às dinâmicas de ensino- aprendizagem, de desenvolvimento de ideias e práticas pedagógicas, à memória e ação dos indivíduos em espaços de saber escolarizado. Estes bens, em sua historicidade, podem se transformar e, de forma seletiva, são-lhe atribuídos valores, significados e sentidos, possibilitando sua emergência como bens de valor cultural.
Patrimônio Cultural Educativo são todos os bens salvaguardados em escolas, centros de memória, instituições de ensino técnico e superior, universidades, no território brasileiro que tenha passado por organização tecnocientífica ou por processos visando à apresentação pública de um patrimônio animador da produção de pesquisas (acadêmicas ou não), dinamizador de ações de memória e história das instituições escolares, suas comunidades e territórios, amparo da história e da historiografia da educação no país.
São objetos de significação cultural da Educação coleções de materiais pedagógicos, didáticos, voltados ao ensino e aprendizagens de múltiplas disciplinas escolares em vigor ou não, sejam nas áreas de Humanidades, Ciências Exatas, Biológicas, Linguagens Artísticas, Comunicação e Informação, objetos científicos lotados em laboratórios, museus escolares, centros de memória, acervos escolares e universitários com vistas à história do ensino, da escola, da formação de professores, da educação.
São também objetos de significação cultural da Educação os processos tecnocientíficos que expressam os trabalhos de indíduos, grupos, comunidades escolares que apontem à organização, guarda, salvaguarda, conservação, proteção de acervos e coleções voltadas à história da educação brasileira, tendo em vista que são esses os processos validados e legitimados por financiamento público e cumpridores da função humana do que deve ser apresentado como um novo patrimônio público, histórico, cultural da Educação.
O Patrimônio Educativo inclui múltiplos artefatos, coleções variadas, documentos legais, materiais de ensino, planos e registros de atividades escolares, provas, cadernos escolares, livros, mobiliários, indumentária, materiais de escrituração escolar, materiais de organização administrativa, livros didáticos, ornamentos, materiais científicos diversos, artefatos de sala de aula, para a organização da classe, para a organização do tempo escolar, brinquedos, ou seja, tudo que possa ter proporcionado aprendizagens por diferentes métodos e modelos pedagógicos, artefatos disciplinadores, recreativos, docentes ligados aos processos relacionados ao fortalecimento da educação brasileira.
Fazem parte do Patrimônio Intangível da Educação as dinâmicas desenvolvidas para as atividades educacionais, ligados aos aspectos emocionais, sentimentais, de educação dos sentidos, sensibilidades, apreciação estética, as brincadeiras, a cultura juvenil, o saber- fazer docente e discente, entre outros.
O Patrimônio Educativo possui áreas de intersecção com diversos outros recortes patrimoniais, como, o patrimônio industrial, o patrimônio da saúde pública, patrimônio arquitetônico, patrimônio de ciência e tecnologia, entre outros. Estas zonas de contato possibilitam perceber a amplitude da cultura educativa, reforçando a necessidade do seu reconhecimento e preservação.
OBJETIVOS
O GT do Patrimônio Educativo visa aos seguintes objetivos:
- Mapear o patrimônio educativo brasileiro distribuído pelas unidades da Federação para apresentação de dados abertos voltados aos interesses do campo da história da educação no Brasil;
- Fazer uma solicitação de tombamento de tal patrimônio, localizado, identificado, descrito, publicamente defendido junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com a tentativa de inscrevê-lo em livro tombo como um conjunto de bens culturais móveis de interesse etnográfico e histórico nacional; e que seja nomeado “patrimônio cultural educativo”;
- Contribuir à proteção e preservação do Patrimônio Educativo no Brasil;
- Estimular o debate sobre o Patrimônio Educativo em instituições de ensino, pesquisa, e fóruns especificamente criados para este fim ou em eventos acadêmicos da área de história da educação;
- Incentivar e promover a criação de políticas públicas, nas esferas municipal, estadual e federal, para a identificação, preservação e divulgação do Patrimônio Educativo;
- Promover a cultura de preservação dos bens culturais da Educação, aberta à multiplicidade de olhares, sentidos, significados e valores atribuídos pelos vários grupos formadores do campo educativo, no campo da história da educação, apresentando as diretrizes que se seguem;
- Estimular e promover a manutenção do debate sobre o Patrimônio Educativo por meio de fóruns, eventos científicos e discussões permanentes no Congresso Brasileiro de História da Educação (CBHE);
- Promover o intercâmbio entre grupos consolidados e novos interessados em políticas de patrimônio voltadas à educação, de modo a animar novos processos e evitar a dispersão de ações, práticas e procedimentos já armazenados como técnicas resultantes dos processos já patrimonializados.
DIRETRIZES
Incentivar a pesquisa deste GT, desenvolvendo políticas de divulgação dos trabalhos sobre patrimônio educativo, entre os membros da comunidade de historiadores da educação, sejam eles nacionais ou internacionais, bem como para além do universo acadêmico;
Incentivar as políticas de preservação in situ do Patrimônio Educativo, buscando soluções de financiamento não apenas por meio de fomentos de agências científicas voltados à área de Educação, mas também como espaços de interesse cultural;
Incentivar o envolvimento das escolas na preservação do Patrimônio Educativo, principalmente adotando uma relação de coprodução nos âmbitos da pesquisa, ensino, extensão, desenvolvendo uma cultura de memórias das escolas;
Fomentar políticas de reconhecimento institucional sobre a existência de bens culturais patrimoniais nas escolas e centros de memória, estimulando processos de avaliação prévia que possam ser descartados, visando ao seu reconhecimento;
Por meio deste GT, apoiar e estimular novos pesquisadores(as) que iniciem processos de higienização, guarda, salvaguarda, proteção, inventariação, catalogação de bens culturais, quando passam a executar este trabalho de patrimonialização dos bens culturais da escola;
Promover fóruns de debate sobre a preservação e divulgação do Patrimônio Educativo;
Promover e divulgar metodologias especializadas na conservação, documentação e comunicação do Patrimônio Educativo.
Natal, 14 de agosto de 2024.